17.7.13

Artigo

http://files.ceaservicodomestre.webnode.com/200000038-6363e645cf/Herculano.jpg



Poeta, escritor, jornalista, filósofo, Herculano Pires foi um estudioso da Doutrina Espírita, e um de seus maiores divulgadores. Autor de mais de 80 obras, a maioria dedicada ao Espiritismo, foi o grande defensor da pureza doutrinária, tendo sido definido por Emmanuel, por intermédio de Chico Xavier como “o metro que melhor mediu Kardec”.




Quinta-feira, 18 de Julho de 2013




SOBRE A OBRA DE ROUSTAING


Por Herculano Pires

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRe9z9ainG7pejV_QInJ2zmtq8cI4ygT1zwucf0gXnfPvUROnwpnfPAQdq4_IRKfLmy2RxZ3BV77bmB8eRWEeGPEQQ376AqvobtfzzxQUuHR9vthWYx9w0IrZePWursFQdMUHCh5ddTJPx/s1600/J.+Herculano+Pires_thumb%255B1%255D.jpg



“A infância mágica de Jesus, contada na obra de Roustaing, faz lembrar certos Evangelhos apócrifos, que descreveram a vida do menino através de incríveis peripécias. Nos trechos acima vemos a descrição anedótica da amamentação aparente de Jesus. Maria, mais uma vez, continuava iludida. O menino fingia mamar. A transformação do sangue em leite é um ato de magia, digno de figurar nas estórias para adolescentes.

“A permanência de Jesus em Jerusalém, nos três dias em que esteve perdido para os pais, caberia num enredo de aventuras infantis. Os “ministros de Deus”, que deram a nova revelação, criaram uma nova categoria Angélica: a dos anjos guarda-roupas. Seria difícil imaginar-se maneira mais adequada de ridicularizar o Espiritismo aos olhos das pessoas de bom senso. A aceitação de uma obra como esta pelos espíritas e a sua divulgação só pode explicar-se pela falta de discernimento.

“Roustaing é o anti-Kardec. Se Kardec é o bom senso, Roustaing é a falta de senso. A esta altura do exame dos textos já não se pode permanecer em atitude neutra diante dos absurdos que surgem a cada passo. Estamos em pleno mar da imaginação, flutuando ao sabor das ondas. Mas, há uma intenção evidente - a de lançar o ridículo sobre o Espiritismo.

“Quando falamos de magia não estamos nos referindo à magia natural, que decorre das funções mediúnicas, mas sim da magia primitiva ou anímica, bem definida por Malinowski, que tanto existe nas selvas como nos meios mais civilizados. É esse o tipo de magia que constitui a essência do Roustainguismo, na mesma linha do pensamento mitológico que gerou a teoria grega do corpo fluídico de Jesus na era apostólica, como vemos nas epístolas de Pedro e João.

“A anedota da amamentação de Jesus exemplifica bem esse tipo de magia. Jesus menino não aparece ali como um ser real, mas como um ser artificial, um deus mitológico que se disfarça numa criatura humana, como o faziam os deuses gregos e romanos para iludirem os homens e pregar-lhes as suas peças. Usando o poder mágico da transmutação (alquimia) ou da transubstanciação (teologia), o menino mitológico (e portanto ante-cristão) mudava o leite materno em sangue e o devolvia à circulação no corpo de Maria. É uma adaptação ao Espiritismo do dogma católico da eucaristia.

“Pode-se alegar que isto seria possível por meio da ação mediúnica. O caso da transformação da agia e, vinho, citado no Evangelho, poderia justificar essa teoria. Mas não podemos esquecer as seguintes diferenças: quando Jesus operou a transformação da água em vinho, não o fez para iludir ninguém, mas para demonstrar os seus poderes e despertar a fé nos que deviam ouvi-lo; foi, portanto, uma ação moralmente lícita, como todas as suas ações; essa transmutação (química e não alquímica) não foi uma encenação, mas um fato real, ainda hoje constatável na atividade mediúnica. A transmutação do leite de Maria implica problemas morais inadmissíveis numa personalidade espiritual elevada, tanto mais que por trás dela encontra-se todo o complexo fantasioso e absurdo do nascimento fingido. Estaríamos diante desta contradição que minaria os alicerces do Cristianismo e de todo conceito espiritual: a verdade revelada através da mentira.

“Não podemos separar os princípios éticos do contexto de nenhum problema espiritual. Alega-se também que Jesus ensinava em parábolas. Mas as parábolas não são mentiras, são formas alegóricas, simbólicas de transmissão da Verdade. A própria Psicologia materialista constatou essa necessidade de sermos verdadeiros no ensino das coisas mais corriqueiras, condenando as explicações fantasiosas do nascimento das crianças. Se a lenda ingênua da cegonha é um mal por ser mentirosa, que dizer do mito absurdo do nascimento fingido de Jesus? O uso da alegoria é válido e prepara o advento da verdade, mas o uso do fingimento é próprio dos mistificadores, dos embusteiros, das criaturas falsas e não de espíritos esclarecidos.

“O mesmo se aplica ao episódio ridículo da permanência de Jesus menino em Jerusalém. O menino não era menino, mas um espírito adulto disfarçado em criança. Enganava os doutores da lei com suas respostas astuciosas e enganava o povo com suas fugas para o Céu, deixando as roupas em mãos dos anjos que o ajudavam na mistificação. E por que tudo isso? Porque em Jerusalém, justificam os “ministros de Deus”, era difícil encontrar lugar para um menino permanecer três dias sozinho. Desculpa tola, como se vê, que só tem uma justificativa: uma mentira puxa a outra. 

“Bem precário seria o poder divino se estivesse submetido à condição de recorrer aos ardis humanos, às espertezas comuns dos passadores de conto do vigário, para poder trazer a Verdade à Terra. Não são os mestres espirituais que se utilizam dessas formas grosseiras de mistificação, mas os espíritos mistificadores, os embusteiros vulgares. Justifica-se pois o ardor de João, o evangelista, e de Pedro, o apóstolo, ao repelirem a teoria do corpo fluídico, bem como o ardor de Paulo ao nos advertir contra as fábulas que desfiguram a Doutrina do Cristo.

“A frase do último trecho acima citado: “Voltava para as regiões superiores onde pairava e paira ainda...”, encerra uma malícia diabólica. Afirmando que Jesus retornava aos esplendores celestes como espírito protetor de governador da Terra, ela retende encobrir com essa declaração enfática o ridículo da esperteza do menino. Os corações ingênuos se comovem com essa falsa abnegação de um deus mitológico, obrigado a participar entre os homens de uma pantomima celeste, e o raciocínio enganado justifica o mito”.


(José Herculano Pires, em “O Roustainguismo à luz dos textos”, parte primeira do livro “O VERBO E A CARNE” – págs. 29 a 32 - Edições Cairbar, de São Paulo / SP – 1ª edição, 1973)




*